Desde 2006, meu maestro soberano Philip Meyer é patrono de um prêmio de jornalismo que reconhece as reportagens de apuração mais complexa publicadas no ano. “O prêmio reconhece os melhores usos de métodos da ciência social no jornalismo”, diz a descrição oficial.
Semana passada, saíram os três vencedores da sétima edição.
Trata-se do “top de linha” do jornalismo. Esses trabalhos combinam levantamento de informações públicas, por meio do Freedom of Information Act, análise sofisticada de estatísticas e a sempre eficaz arte de sujar os sapatos.
Em termos de dinheiro, o prêmio Philip Meyer é modesto comparado até aos prêmios mais muquiranas dados no Brasil: US$ 500, US$ 300 e US$ 200, respectivamente, para cada colocação. O significado desse prêmio para o desenvolvimento do jornalismo, porém, é bem mais valioso. Na inscrição dos trabalhos, é preciso descrever todo o processo de apuração. É a complexidade da apuração, e não o produto final ou seu impacto, que pesa mais na avaliação. As descrições dos trabalhos ficam, depois, disponíveis para os sócios da IRE, para que possam aprender com a experiência dos colegas.
Vale a pena conhecer esses trabalhos, que forçam com louvor os limites autoimpostos ao jornalismo pela falta de conforto com os números. A minha lista completa, feita desde a primeira edição, está aqui. Estes são os vencedores de 2012, na descrição feita pela IRE:
1º LUGAR: “Mistérios de Assassinato“, Scripps Howards Service
Equipe: Thomas Hargrove
A série é um exemplo excelente do poder do jornalismo de precisão para encontrar padrões reveladores nos dados. Thomas Hargrove deu início ao projeto questionando se o Relatório Suplementar de Homicídios do FBI poderia ser usado para detectar o trabalho de serial killers entre os mais de 185 mil assassinatos não solucionados do país. Primeiro, ele descobriu que a polícia local deixava de relatar milhares de assassinatos ao FBI e passou meses usando as leis de acesso a informações públicas para levantar detalhes sobre mais de 15 mil assassinatos sem registro no país. Depois de construir o que especialistas consideram o mais completo banco de dados disponível sobre assassinatos não resolvidos, Hargrove desenvolveu um algoritmo único que usou a técnica estatística de análise de agrupamentos para identificar os traços de possíveis assassinatos seriais, com vítimas de características demográficas semelhantes sendo mortas de maneiras semelhantes. Em ao menos oito cidades, a polícia confirmou que os agrupamentos encontrados por Hargrove são casos confirmados de assassinatos em série ou têm chance de serem. O banco de dados foi colocado na internet para que os leitores possam fazer sua própria análise interativa dos assassinatos locais, e o banco inteiro está disponível para que qualquer um o baixe e explore. Ao menos um detetive amador usou os dados para encontrar um agrupamento que a polícia de sua região concordou ser o trabalho de um serial killer até então desconhecido.
2º LUGAR: “Testando o sistema“, USA Today
Equipe: Marisol Bello, Jack Gillum, Linda Mathews, Greg Toppo, Jodi Upton e Dennis Cauchon, (USA Today); Denise Amos (Cincinnati Enquirer); Chastity Pratt Dawsey, Peggy Walsh-Sarnecki e Kristi Tanner-White (Detroit Free Press); Anne Ryman (The Arizona Republic)
O projeto do USA Today examinou o crônico problema de escolas que trapaceiam em testes padronizados. Ao levar sua análise para o nível nacional, o grupo de repórteres e editores de bancos de dados laboriosamente obteve e limpou ao menos cinco anos de notas em testes e taxas de resposta e apagamento para seis Estados e para o Distrito de Columbia. Usando regressão linear e análise de variância, as escolas com aumentos suspeitos foram identificadas como estatisticamente fora do padrão e usadas como pauta para reportagem de campo. A série fez com que fosse aberta uma investigação federal do Departamento de Educação sobre as práticas das escolas da capital do país e a um reforço nos procedimentos de segurança dos testes.
3º LUGAR: “Um conto de três cidades: retomadas de imóveis nem sempre seguem o script“, The Seattle Times e Propublica
Equipe: Sanjay Bhatt (The Seattle Times); Jennifer LaFleur (ProPublica)
O projeto conjunto desafiou estereótipos comuns sobre retomadas de imóveis por conta de hipotecas pendentes, ao analisar e comparar os padrões demográficos e financeiros dessas retomadas em três cidades fundamentalmente diferentes: Seattle, Baltimore e Phoenix. Os repórteres identificaram uma amostra aleatória de 400 casos em cada uma das cidades, e depois usaram muita reportagem tradicional para obter detalhes de cada caso, cobrindo certidões, promissórias, bancarrotas anteriores e consequências da retomada. A análise do banco de dados resultante mostrou que, ao contrário do senso comum, apenas um quarto dos casos de retomada envolviam empréstimos que poderiam ser considerados predatórios, e que em mais da metade das retomadas os proprietários puderam manter suas casas depois que os bancos concordaram em mudar as regras do empréstimo.