Sei que pelo menos uma leitora deste blog conhece a fundo o assunto. Eu não entendo absolutamente nada de aeroportos, fora a experiência cada vez menos confortável como usuário deles, mas gosto de observar alguns movimentos na política.
Dia 14 de abril, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou um estudo sobre aeroportos no Brasil. Você pode baixar a íntegra do estudo aqui.
Os dois autores afirmam, com base nos dados disponíveis, que com base na situação atual dos aeroportos e com os investimentos atuais, dificilmente o Brasil conseguirá terminar até a Copa de 2014 dez dos 13 aeroportos em que há investimentos, se forem mantidos os prazos médios para cumprir as etapas de expansão.
Em português: na avaliação dos pesquisadores, só termina a tempo se correr com a obra. Correr com a obra acarreta problemas, como vimos nas obras da Linha Amarela do metrô de São Paulo e do Rodoanel. Ou acarreta outros tipos de problemas, tipo a necessidade de botar mais dinheiro pra finalizar a tempo. Mas tudo isso por ora está no terreno das possibilidades.
O Ministério Público Federal está pedindo agilidade nas obras (e não só nas de aeroportos) para que não seja preciso pedir dispensa de licitação nas obras. Foi a dispensa de licitação, em grande parte, que fez os custos das obras dos Jogos Panamericanos terem um superfaturamento de até 600%. Esse dinheiro sai do meu bolso, do seu bolso e do bolso da sua mãe.
Como não sou especialista em aeroportos, não entro no mérito de o estudo dos economistas do IPEA estar ou não correto. Apenas chamo atenção para um ponto: a reação política.
No que depender do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, o estudo sequer foi feito pelo IPEA: “Não foi o Ipea que fez o estudo. Um pesquisador juntou recortes de jornais para fazer esse pronunciamento. Não representa a posição do Ipea nem do governo. Estamos preocupados em realizar tudo dentro do previsto. Não há desespero nem nenhuma dúvida de que daremos conta. O Brasil vai fazer uma copa bem organizada.”
Ponto a ponto.
1) “Não foi o IPEA que fez o estudo”
O Instituto convocou entrevista coletiva, oficialmente, para divulgar o estudo. Ela foi transmitida ao vivo, em vídeo, pelo site do IPEA. Foi noticiado no site do IPEA. O estudo foi publicado como Nota Técnica da Diretoria de Estudos Setoriais do instituto. É um estudo do IPEA ou não é um estudo do IPEA? Esse estudo especificamente não traz a observação, mas as Notas Técnicas do IPEA costumavam informar na folha de rosto:
As Notas Técnicas visam divulgar, de forma rápida e ampla,
análises e resultados parciais de pesquisas realizadas no IPEA
ou em parceria com outras instituições, estimulando o debate
corrente em torno de questões específicas de natureza conjuntural
ou metodológica.
O potencial atraso nas obras dos aeroportos se encaixa no primeiro parágrafo.
Não estou em condições de saber se a retirada da observação implica alguma coisa. Mas, pra mim, essas condições não desqualificam de antemão o estudo.
O IPEA faz parte da estrutura do governo federal, dentro do Ministério do Planejamento, ora loteado para o PMDB via Moreira Franco. Em 2009, o IPEA produziu vários estudos que critiquei no “Dicas de um Fuçador”, pai do Numeralha, pela manipulação numérica do oba-oba. Então, ficamos assim: se o IPEA lança um estudo que enche a bola do governo, é do IPEA. Se o estudo não enche a bola do governo, não é do IPEA?
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2) “Um pesquisador”
Na verdade, ministro, foram dois: Carlos Alvares da Silva Campos Neto e Frederico Hartmann de Souza, pesquisadores do IPEA.
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3) “Juntou recortes de jornais para fazer esse pronunciamento”
De fato a bibliografia cita várias notícias publicadas em jornais. Mas boa parte das afirmações feitas no texto se baseia em consultas à execução orçamentária da União (com dados pesquisados nos bancos de dados do SIGA Brasil, DEST e Contas Abertas) e aos dados da Infraero – que mostram aeroportos como o de Vitória (ES) usando atualmente 472% de sua capacidade. Clique nos links para ter acesso direto aos dados.
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4) “Não representa a posição do Ipea nem do governo. ”
Por motivos óbvios o ministro quis chamar atenção para o segundo parágrafo que a observação costumava ter e nesse caso não tem:
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira
responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o
ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
OK, embora feito por funcionários do instituto e divulgado oficialmente pelo órgão, de fato aquela Nota Técnica pode não ser a posição oficial do IPEA ou do governo. Mas precisa representar a opinião do IPEA ou do governo para ser uma observação importante de ser discutida? Eu acho que não.
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5) “Estamos preocupados em realizar tudo dentro do previsto.”
Os atrasos apontados sugerem o contrário, ainda que eu pressuponha a maior boa vontade do pessoal da Infraero dentro dos recursos de que dispõe. Adoraria que o governo fizesse valer a declaração do ministro. Mas notícias como a de que o governo executou apenas 1% do orçamento dos aeroportos da Copa me fazem crer que é blablablá. Em se tratando de governo, preocupação é execução.
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6) “Não há desespero nem nenhuma dúvida de que daremos conta. ”
Nenhuma dúvida da parte de quem?
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7) “O Brasil vai fazer uma copa bem organizada.”
Trata-se mais de uma declaração de intenções do que de uma enunciação de fato. Só se saberá em 2014 se o Brasil fez uma Copa bem organizada. Por ora, sabe-se apenas que a preparação não parece bem organizada. E também se sabe que o Pan não foi bem organizado, tanto que custou 600% a mais no nosso bolso.
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E você, o que pensa a respeito? Da minha parte, espero sempre mais transparência da parte dos governos nessas questões que mexem no nosso bolso. Fazer blablablá de avestruz não é transparência, ministro.